Guerra da perdição
(Miguel Lucena)

Capa
Leia a nota introdutória de
"Guerra da perdição", clicando aqui. |
"A Paulo Mariano,
revolucionário das brenhas
de Princesa que não deixa
´quebrar coco´ o bacamarte
de Luiz do Triângulo" |
Plantado numa trincheira de defesa,
Ronco Grosso engatilha o mosquetão
pelo Território Livre de Princesa
sem temer as balas de canhão.
O fogo é cerrado e a chama acesa
da luta lhe queima o coração.
Seiscentos pescoços na navalha
regam o chão com sangue da batalha. |
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Luiz do Triângulo, um bacamarte!
Em dois meses, matou vinte "macacos".
Corpos putrefatos em toda parte
na guerra dos fortes contra os fracos.
Esta guerra, do Diabo é uma arte...
O sol se foi... Tudo é muito opaco.
No peito rude, uma ferida aberta.
Esta guerra é sem sentido, não liberta. |
Voz fina e mansa, Rafael Paixão,
menino do mato, guerreiro valente,
só tem 12 anos, mas o coração
palpita no peito - orgulho de gente.
Luta bravamente, fere braço e mão.
No entanto, ri, gargalha contente:
- Não sou coronel. Sou da minha terra!
Ninguém ultraja o meu pé de serra! |
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Invadem Patos-Irerê de Marcolino,
aprisionam mulheres e crianças.
Sob as ordens do tenente Ascendino,
a milícia governista avança.
Mais de duzentos rebeldes, sol a pino,
reagem repletos de esperança.
A tropa governista, derrotada,
ouve em Princesa o toque da alvorada. |
Sombras invisíveis entre as jitiranas
seguem os passos de João Costa, a leste.
Até mesmo as cobras caninanas
se arrepiam com a fúria da peste.
Cem tiros cuspidos de uma campana
salvam a Princesa do Nordeste.
No portão da cidade sitiada,
mais uma tropa liberal é derrotada. |
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Fome, frio e dor... Pidó delira.
Treme, arde, o suor lhe queima o rosto.
Tenta desistir, mas Manaíra
e São José são o seu posto.
Ninguém lhe acode. Pensa em Jandira,
ainda roliça. Vem-lhe à boca um gosto
de gozo, mel de mandaçaia
e queimam-lhe as mãos o fogaréu da saia. |
Cícero Bezerra já largou a terra.
Joaquim Gomes trabalha de graça.
A mulher de João Paulino encerra
a honradez de toda uma raça.
Quem sabe, é melhor tombar na guerra
a viver sob o manto da desgraça.
Despetalaram João Flor covardemente
após a guerra em que foi combatente. |
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- Homens da Coluna Norte, ação!
- Grita Irineu Rangel à sua tropa.
Grita, não. Solução, em vão.
Uma leva de matutos já galopa
pelas colinas do Gavião
e cerca a tropa que, em debandada,
não invade a cidade sitiada. |
Um frio de necrotério... Um vento forte
assovia e corujas agoureiras
vestem com o roupão da morte
a Serra da Lavandeira.
Luiz Américo, de sorte,
inda não virou caveira.
Já é quase fim de guerra...
Há muito adubo de valentes sobre a terra. |
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Xandu gesticula e Zé Pereira,
lívido, estático, fala à toa:
- João Dantas vinga a companheira
ultrajada e mata João Pessoa!
Era 26 de julho e a cabroeira
- farrapos de roupa, olhos de garoa -
depõe a garrucha e o mosquetão
no fundo da Lagoa da Perdição. |
Cessa a luta, finda a guerra,
só não cessa a humilhação:
invade a rebelde terra
o Exército da Nação,
tortura nas ruas e serras
os rebeldes do sertão
- mulher estuprada, caboclo surrado,
menino apanhando com coco pelado. |
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Getúlio, baixinho, ordena a invasão:
- O coco-de-roda está proibido!
Diz o Comando da Revolução:
- Princesa é uma terra que só tem bandido,
andou protegendo até Lampião!
Aqui, acolá, mais um estampido:
- Quem foi que morreu? O grande João Flor.
Morreu à traição. Macaco o matou. |
Imagens e versos encontrados em:
LUCENA, Miguel. Guerra da perdição: a Revolta de Princesa. Brasília,
DF: Best Graff, 2003.
Direitos Reservados ao autor.
Ilustrações: Ednaldo
Projeto Gráfico: Wellington Braga
Contatos: (61) 9618-5925 /
mlucenafilho@hotmail.com
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CONHECENDO O AUTOR
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MIGUEL LUCENA, 37
anos, é natural de Princesa - Paraíba. Bacharel em Direito e jornalista, é
delegado e diretor de Comunicação da PCDF - Polícia Civil do Distrito
Federal. É pós-graduado pela Escola de Magistratura da Bahia. Foi repórter
da Folha de São Paulo e dos jornais O Norte e A União, em João Pessoa;
redator e editor do Diário da Borborema, em Campina Grande; redator da
Tribuna da Bahia e do Correio da Bahia e repórter do jornal A Tarde, em
Salvador/BA. Atualmente, edita a revista Domínio Popular e o jornal Gazeta
Policial, em Brasília/DF. Exerceu os cargos de diretor dos Sindicatos dos
Jornalistas da Paraíba e da Bahia, da Federação Nacional dos Jornalistas e
da Associação dos Delegados de Polícia do Distrito Federal. É tesoureiro do
Sindicato dos Delegados de Polícia do DF.
Antes de assumir o cargo de
Delegado de Polícia do Distrito Federal, foi aprovado em 1º lugar para a
Escola Superior do Ministério Público da Bahia e para procurador do Estado
de Sergipe e da Universidade Federal de Alagoas. |
É autor do livro de poemas "Verso-menino"
(primeira edição esgotada) e do poema-cartaz "Os seios da terra", pelo qual
recebeu certificado de distinção do Prêmio Criatividade Literária do Governo
do Distrito Federal. É co-autor da música "Estação Azeviche", composta com
Rui Poeta e gravada pelo bloco afro Ilê Aiyê, da Bahia, e de "O sertão
chora", com Wilson Aragão, consagrado com Capim Guiné. |
Fonte:
LUCENA, Miguel. Guerra da perdição: a Revolta de Princesa. Brasília,
DF: Best Graff, 2003.

VERSOS DESDE MENINO
"Miguel começou a escrever
poesias aos 10 anos, mas todo o trabalho produzido até a adolescência, que
guardava precariamente numa caixa de papelão, foi confundido com papel velho e
jogado no lixo por uma empregada doméstica. Desanimado, parou de poetar e só
fazia brincando de repentista, com os amigos. Em 1993, voltou a versejar
nas horas vagas e, como a recuperar um tempo perdido, publicou o seu
´Verso-menino´"*.
Leia dois poemas do livro
"Verso-menino", clicando aqui.
*
LUCENA, Miguel. Verso Menino. Bahia: BDA,
1995.
** Em
itálico, grifos meus.
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