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COLUNA DE FRANCISCO FLORÊNCIO

 

Princesa Isabel - PB, sexta-feira, 23 de maio de 2008
 


Por Francisco de Carvalho Florêncio
(Engenheiro aposentado e pesquisador da história de Princesa Isabel - PB)

CHICO SOARES  -  “CANHOTO DA PARAÍBA”

APRESENTAÇÃO

No dia 24 de abril último, CHICO SOARES deixou esta vida. E entrou na História. De Princesa, da Paraíba, do Brasil e até do mundo.  Nesta época de memória curta, CHICO já era um esquecido, mesmo entre seus conterrâneos princesenses, exceções raras entre aqueles contemporâneos ainda vivos e alguns poucos conhecedores e admiradores de sua arte musical. Entre nós, princesenses,  começou um resgate da vida e obra desse conterrâneo impar, em 2004, por ocasião das comemorações da emancipação política do nosso Município. Coordenado pela Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de Princesa Isabel, foi desenvolvido um enorme projeto de resgate da história de CHICO SOARES,  intitulado “CANHOTO DA PARAÍBA – DE PRINCESA PARA O MUNDO”.  Este projeto envolveu 4500 crianças e jovens da rede municipal de ensino, seus   professores e técnicos. Eu, ANTÔNIO DELANO e JOÃO MANDU  participamos intensamente deste trabalho, em palestras, entrevistas e textos.  Quem viu os resultados na exposição final dos trabalhos se emocionou!  Milhares de jovens princesenses escreveram textos, poesias, cartas,  desenharam e pintaram, modelaram figuras e ambientes,  tocaram e ouviram a música de CHICO. Foram produzidos vídeos, entrevistas, palestras, sempre sobre o mesmo tema.  A Rádio Princesa, a Igreja Católica, a Câmara Municipal também participaram do evento.  Foi  realizado o “I CONCURSO DE VIOLÃO – CANHOTO DA PARAÍBA“. Uma rua ganhou o nome de “CHICO SOARES – CANHOTO  DA PARAÍBA”.  Eu testemunhei – emocionado – uma garota de 12 anos,  que descrevia a vida e obra de CHICO, como se ele fosse um seu contemporâneo ou mesmo alguém de sua família. Nenhuma publicação, filme, exposição ou outro meio de divulgação, sozinho, teria conseguido esse resultado! Praticamente uma nova geração descobriu um novo personagem magnífico e, por cima, um conterrâneo. Infelizmente, nesta comemoração não tivemos a presença  física do homenageado, por absoluta impossibilidade física do mesmo, de poder se deslocar até nossa cidade.

Em novembro de 2006, com o apoio da Prefeitura Municipal e principalmente de amigos,  especialmente do velho amigo ANTONIO DELANO,  CHICO  fez sua última visita à terrinha querida. De novo testemunhei quando ele confessou que aqueles foram dias dos mais felizes de sua vida. Recebeu ele homenagens, presentes, reviu velhos e novos amigos, tendo sido realizado um evento que se chamou “NOITE DA SAUDADE”, em que foi feita uma belíssima apresentação de músicos princesenses, jovens e maduros, na Pousada do Cedro, que o fez ir às lágrimas de emoção, como aos que lá estiveram. Tudo isso está registrado em fotos e vídeo, que poderão ser vistos no site do conterrâneo MARDSON MEDEIROS (www.princesapb.com).

E agora, quando CHICO se despediu da vida, de novo, seus conterrâneos, com o apoio oficial e dos seus eternos admiradores, demonstraram suas melhores emoções pela partida do amigo e  do conterrâneo, através das mais variadas formas de expressão, tais como a programação especial da Radio Princesa, informação da população por carro de som, serviço de som da Matriz local, ato público com participação de músicos locais, luto oficial do município e representação oficial no enterro, com a presença do Prefeito THIAGO PEREIRA e comitiva.

Faço esta longa apresentação, para registro histórico.  Que se registre,  que o povo princesense, um dia, voltou a se lembrar de um de seus melhores filhos,  reverenciou-o  e refez uma parte da sua memória coletiva. Que assim agindo, aprendeu a valorizar o que nossa terra melhor pode produzir: homens e mulheres excepcionais, tal como este que acabou de partir: CHICO SOARES – O CANHOTO DA PARAÍBA!

Para aqueles princesenses – ou não – que pouco ou nada sabem sobre este personagem, apresento uma biografia, que se não está completa, é por conta da sempre limitação de espaço que um jornal nos impõe, pois o que se pode dele escrever, daria um livro de muitas paginas. Livro que desde já espero que um conterrâneo ou não, motive-se a escrevê-lo!

 

 BIOGRAFIA

 

  AS ORIGENS

FRANCISCO SOARES DE ARAUJO nasceu em 19 de março de 1926, na cidade de Princesa Isabel,  Paraíba. Exatamente na rua Coronel Antonio Pessoa, 30 -  hoje rua Músico CHICO SOARES (CANHOTO DA PARAÍBA). Filho do segundo casamento do seu pai – ANTONIO SOARES DE ARAUJO, com QUITERIA LOPES DE ARAUJO. Família grande, com 4 irmãos e 5 meio-irmãos. O avô de CHICO – JOAQUIM SOARES – era clarinetista. O pai, violonista (e sacristão de profissão). Dois irmãos – LULA e GIA – também eram músicos. Na sua casa reuniam-se os principais músicos de Princesa, como o acordeonista Zé Costa, os violonistas Zé Micas e Luiz Dantas, o saxofonista MANOEL MARROCOS, o regente da banda local JOAQUIM LEANDRO que lhe ensinou as primeiras notas. Na sua casa eram constantes as serenatas e saraus musicais. Pode-se  assim entender a origem da veia musical de CHICO SOARES!

 

  NASCE UM MÚSICO

Nesse ambiente farto de sons e musicalidade, aos 12 anos, fascinado pelo  tocar de violão do pai, ganha como presente deste um violão - que foi destruído num acidente-, vindo somente a ter outro aos 15 anos. CHICO era canhoto e se tivesse que adaptar o violão a essa sua característica, teria que alterar todo o encordoamento do instrumento. Como esse violão era dividido com os demais “tocadores de violão” da família, CHICO terminou se adaptando e desenvolveu aquilo que o tornou nacionalmente conhecido – usar o braço do violão no lado do ombro direito. Daí, anos depois, em Recife, ganhar o nome artístico de “CANHOTO DA PARAÍBA”. Dominado o instrumento, orientado pelo pai, pelo tio e por outros músicos princesenses, ele passou a tocar em festas, serenatas e nas radio-difusoras de Princesa: a VOZ DE PRINCESA E IBIAPINA. Em  1944, com 18 anos, foi levado para Recife pelo frade carmelita FREI CASANOVA,  para tentar um emprego na Rádio Clube de Pernambuco. Por saudade, desistiu e voltou para Princesa, de onde só saiu em 1951, já com 25 anos. Contam alguns contemporâneos seus, que CHICO vivia em quase todos os momentos diários junto a seu violão, como se fosse uma extensão do seu corpo e de sua alma! Assim, pode-se  afirmar que “Princesa  foi o berço e a grande escola onde se moldou e se formou o gênio musical”  que foi CHICO SOARES!

 

  NASCE A ESTRELA “CANHOTO DA PARAÍBA”

Em 1951, levado pelo então Deputado ANTONIO NOMINANDO DINIZ, assinou contrato com a Rádio Tabajara de João Pessoa, onde ficou até 1957. Lá, conviveu com grandes músicos, como SIVUCA e LUPERCE MIRANDA.

Com a companheira MARIA LACERDA (Nazinha), teve 2 filhas - Lourdes e Corrinha - que são nomes de  valsas de sua autoria.

Em 1955,  com 29 anos, fica viúvo. Em 1957,  transfere-se para Recife, onde vem a integrar o elenco da Radio Jornal do Comercio (aquela que falava “de Pernambuco para o mundo”). Em Recife, ele amplia o círculo de amizades com importantes  nomes do “CHORO” (um estilo musical). E ganha o nome de “CANHOTO DA PARAÍBA” dado por um produtor do programa de radio “luar do sertão” da Rádio Jornal do Comercio, de Recife.

Em 1959,  CHICO vai ao Rio de Janeiro, numa viagem de jipe de 5 dias, junto com amigos e tem o grande encontro com  a nata dos “chorões” cariocas, onde causou a mais vívida impressão pela sua técnica inimitável e pela sonoridade e estilo, revelando-se  um mestre na arte da composição e um virtuose do seu violão canhestro,  no dizer do músico e produtor musical  Hermínio de Carvalho. O conhecido músico PAULINHO DA VIOLA registra que foi nessa ocasião, que entusiasmado pela performance de CHICO, ganhou enorme motivação para sua futura carreira musical.

Voltando para Recife, casa-se com EUNICE GADELHA, de quem teve mais duas filhas: FÁTIMA e VITÓRIA, que também são nomes de  valsas de sua autoria.

Em 1968, grava seu primeiro disco (LP)ÚNICO AMOR – pela  produtora pernambucana Rozemblit.

Em 1971, grava um segundo disco (LP) – UM VIOLÃO DIREITO NAS MÃOS DO CANHOTOgravação particular, financiada por amigos e admiradores.

Em 1977,  produz seu terceiro disco (LP) “CANHOTO DA PARAÍBA, O VIOLÃO TOCADO PELO AVESSO", pela  produtora Marcus Pereira.

Em 1993 e 1994, mais um disco (LP) “PISANDO EM BRASA” e o primeiro CD “COM MAIS DE MIL”. O primeiro pela  produtora Caju Music e o segundo pela produtora  Marcus Pereira.  Ao longo de sua carreira artística, teve participação destacada em muitos outros títulos de discos, além de ter suas belas composições apresentadas por outros músicos.

É a grande fase, o apogeu da carreira, com viagens, tournées, shows, sendo um dos artistas mais requisitados nos eventos musicais do Recife e outros lugares. Era preciso agendar com bastante antecedência para se ter oportunidade de ter o artista nos eventos.  Em  1996-1997, em projeto apoiado pelo Banco do Brasil, animado pelo seu Superintendente Regional na PARAÍBA – GERALDO AZEVEDO – que CHICO teve sua última grande presença no cenário artístico,  apresentando-se em mais de 50  cidades da PARAÍBA e até em Portugal.

Em 1995, com 69 anos de idade e 51 de carreira artística, aposenta-se por tempo de serviço num pequeno emprego que tinha no SESI de Recife, onde era funcionário da assistência social, e pelo  tempo que trabalhou na Transportadora Relâmpago, onde era mantido pela amizade do seu proprietário,  para animar os eventos de lazer naquela empresa. Nesse período, CHICO veio muitas vezes à Princesa. Era sempre o grande reencontro. Gerava admiração, curiosidade e encanto com sua maestria. Era a grande notícia. O comentário principal dos princesenses. Em 1996, na Semana da Cultura, por ocasião da data da emancipação do Município, CHICO e MANOEL MARROCOS – outro grande músico princesense – foram as figuras de destaque. Sua última visita ainda saudável foi em dezembro de 1997, a convite de  JOÃO MANDU, para participação na Festa da Padroeira. Como escrevi acima, na apresentação, em 2004,  CHICO foi a figura central da mesma comemoração oficial, a qual não compareceu por conta da doença, e, em 2006, sua última visita à Princesa, a despedida e, sem dúvida - pelo que testemunhei – uma de suas últimas grandes alegrias.

 

  ESVAI-SE A ESTRELA

Em 8 de abril de 1998, aos 72 anos, um  derrame (AVC) atinge CHICO com efeito devastador na sua capacidade física e mental. O lado esquerdo paralisado,  impossibilitou-o de tocar o seu velho companheiro violão - a “tabuinha” como o apelidava. Falava com dificuldade, não andava e precisava de fisioterapia permanentemente.  Somando-se a esta tragédia, uma outra se abateu sobre ele, ao ficar viúvo pela segunda vez. Passou então a viver com a filha Vitória Gadelha até os últimos dias. Morava, nos últimos anos, em Paulista, cidade pernambucana na área do Grande Recife, no bairro Maranguape I, numa casa simples, sem maiores confortos, mas cheia de recordações, principalmente de sua terra natal, assunto permanente em suas conversas e entrevistas.

CHICO tinha como principal fonte de renda uma aposentadoria de seis salários mínimos, que estava longe de cobrir as despesas com as suas sessões de terapia diária. Assim que souberam do seu grave estado de saúde (chegou a ser internado em UTI), vários dos grandes nomes do chorinho e do samba, cariocas e pernambucanos, realizaram no Teatro Guararapes, com produção da  Raio Lazer, um show beneficente para o violonista. Estiveram  lá desde o seu maior fã, PAULINHO DA VIOLA, ao mitológico ÉPOCA DE OURO (grupo que acompanhava Jacob do Bandolim), ALTAMIRO CARRILHO, e os pernambucanos DALVA TORRES, NUCA, RACINE, CLÁUDIO ALMEIDA, NENÉO LIBERALQUINO. A renda líquida, R$ 27.180,00, transferida para CHICO, foi gasta  no tratamento intensivo a que ele era submetido na época.

 

  AS HOMENAGENS TARDIAS

Em 2002, numa iniciativa inédita no país, Pernambuco foi o primeiro estado brasileiro a instituir, no âmbito da Administração Pública, o Registro do Patrimônio Vivo, que reconhece e gratifica com uma pensão vitalícia mensal representantes da cultura popular e tradicional do Estado. Um dos primeiros agraciados foi CHICO SOARES, junto com outros músicos pernambucanos como Camarão, Lia de Itamaracá e Mestre Salustiano.  A cerimônia de entrega dos primeiros 12 títulos de Patrimônio Vivo de Pernambuco, aberta ao público, foi realizada em frente ao Palácio do Governo do Estado (Campo das Princesas), no Recife, às 19 h do dia 31 de janeiro de 2006.

No dia 9 de junho de 2004, durante a cerimônia de reabertura do Projeto Pixinguinha, o Presidente LULA homenageou  CHICO SOARES como um dos mais geniais músicos brasileiros.  Uma  escolha justa, já que no projeto original, a turnê – em 1977 - de  CHICO com PAULINHO DA VIOLA foi uma das de maior sucesso. Quando, em 1997, o projeto  Pixinguinha foi cancelado na última hora, estavam previstas apresentações de CHICO SOARES com o violonista CAIO CÉZAR.

Em 2004,  homenageando  à  CHICO SOARES, o Governo do Estado da Paraíba criou o Registro dos Mestres das Artes (REMA), conhecido como LEI “CANHOTO DA PARAÍBA”. Esta Lei garante o benefício de dois salários mínimos mensais a artistas de reconhecido valor, cujo trabalho tenha contribuído ao longo dos anos para a formação do patrimônio cultural paraibano. A Lei de nº 7.694, de 22 de dezembro de 2004, foi publicada no Diário Oficial do Estado do dia 16 de julho de 2005. Seu primeiro artigo registrará – de forma indelével – o nome de CANHOTO DA PARAÍBA todas as vezes que um artista paraibano ganhar seu direito mínimo à sobrevivência, dado pela sociedade que dele recebeu sua contribuição artística.

                                              “Art. 1º  Fica instituído, no âmbito da Administração Pública Estadual, o Registro dos Mestres das Artes – Canhoto da Paraíba (REMA-PB), a ser feito em livro próprio, a cargo da Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Paraíba, assistida, neste mister, na forma prevista nesta Lei, pelo Conselho Estadual de Cultura, criado pelo Decreto nº 3.930, de 10 de agosto de 1965.”

 

 OCASO DA ESTRELA 

 Os últimos anos de vida do grande artista: doente, sem recursos, esquecido do grande publico e protegido de última hora pelo poder público. Mas CHICO também foi grande na dor. Resignado, conviveu com a doença, e guardando seu jeito, seu sorriso, encantou ainda a tantos que o visitava em sua residência.

E assim,  passados 10 anos  de uma longa jornada de sofrimentos após o AVC que o atingiu, CHICO SOARES – O CANHOTO DA PARAÍBA – deixou esta vida para entrar na história. Familiares, amigos de ontem e de hoje, conterrâneos e admiradores se despediram emocionados, ficando seus restos mortais no cemitério de Paulista. Quem sabe, provisoriamente, até o dia em que os conterrâneos princesenses  resgate-os e traga-os para repousar eternamente sobre a Serra da Borborema, em sua terra natal, paixão de sua vida, sua  terrinha - PRINCESA ISABEL -  que dele foi berço e dele poderá ser último repouso.

 

  CHICO SOARES – O SER HUMANO ADMIRADO

    DEPOIMENTOS

Resumidamente, descrevi  os caminhos da vida  e da obra de CHICO SOARES.  Mas sabe-se que,  dentro de cada ser humano existe um jeito de ser que só é percebido pelos que o rodeiam, que com ele convivem.  Assim, deixo aqueles que um dia cruzaram seus caminhos com o de “CHICO SOARES” e ou “CANHOTO DA PARAÍBA” darem seus testemunhos:

Luiz Gonzaga – o grande sanfoneiro: “Chico Soares deveria ter adotado outro nome artístico em sua carreira - Canhoto do violão sorriso – tal é a sua alegria quando toca.

Revista Veja - 1993: “Canhoto consegue unir as qualidades que todo músico persegue ao longo da vida: técnica apuradíssima e espontaneidade digna de uma criança”

Luiz Nassif - jornalista de renome nacional: “Nunca vi pessoa tão doce, poucas vezes ouvi músico tão talentoso!"

Fernando Caneca - compositor, violonista recifense: “Ele (Chico) é um ensinamento. Mesmo na enfermidade, continua sendo capaz de transmitir sentimentos essenciais”

Aldemar Paiva - escritor e jornalista pernambucano:  Chico Soares veio vindo para Pernambuco com o seu violão. Simples e bom. De 1958 pra cá, soube tornar-se a figura artística mais requisitada do nosso amado Recife. Ninguém melhor do que ele se enquadrou no espírito feliz desta cidade...”

Amigos de Canhoto - na capa do cd ”Único Amor”:  “O que é um fenômeno? É tudo aquilo que é maravilhoso, surpreendente e raro, percebido pelos sentidos ou pela consciência.  É aquilo que se distingue nas pessoas, não obstante simples e modestas, dotadas de um talento extraordinário. Desta forma, queremos nos referir ao talentoso e extraordinário violonista Chico Soares, nascido em Princesa Isabel”

Paulinho da Viola - músico carioca: “Eu  não queria participar daquelas rodas (de choro) como músico. Quando vi o canhoto tocar, fiquei tão entusiasmado que me toquei. Era tão sublime, tão tecnicamente perfeito. Acho que o Canhoto me influenciou a tocar, mais do que meu pai e Jacob do Bandolim.” 

Jacob do Bandolim – músico carioca renomado: Numa entrevista, comentando o encontro dele com Chico no Rio de Janeiro: ...”Chico é um artista enterrado lá em recife... É digno de toda nossa admiração, de todo nosso respeito, porque ele encarna nesta figura, uma porção de brasileiros que vivem enterrados por estes rincões afora, verdadeiros valores completamente no ostracismo...”

Baden Powel - violonista de fama internacional: “Eu, Baden Powel, sou músico e violonista há muitos anos, mas, em Recife, aprendi a tocar violão com Chico Soares”

João Albuquerque - produtor musical recifense: músico nato, homem simples, fibra de sertanejo de princesa, exemplar chefe de família e companheiro de trabalho. Caráter puro de menino feliz. Respeitando os compromissos assumidos, jamais nega-se a uma tocata para os amigos, independente da hora e do dia. Parece que o violão não o cansa, como também não cansa os que o ouvem tocar. Também não fez de seu instrumento um meio de vida no sentido de comercializá-lo. Fez do violão um instrumento de transmissão de sua música e de seus sentimentos“.

Antônio Delano – músico princesense: Chico era meu irmão. Amigo, companheiro de uma simplicidade ímpar. Doce como uma criança. Desligado das vaidades e das preocupações materiais. Pra ele tava tudo sempre bem, mesmo nos momentos mais difíceis da vida.  Um exemplo de ser humano.

João Mandu  -  amigo e conterrâneo: Chico veio a este mundo com a missão de alegrá-lo com sua música e melhorá-lo com seu jeito de ser.  Além do nome, Chico era um franciscano na sua humildade, desapego e no amor com que cantava a vida. O céu deve estar ainda mais animado com a chegada dele!

Urariano Mota – jornalista pernambucano: “existe um homem que é grande no tocar, existe um sereno e augusto artista que é largo e alto de coração, existe um violonista de nome Francisco Soares de Araújo, que a simplificação da gente achou por bem chamar de Canhoto da Paraíba.”


Oração por Chico Soares
Canhoto da Paraíba

por Urariano Mota

"Sou jornalista e escritor, autor do romance Os Corações Futuristas, que narra os sonhos e angústias dos estudantes durante a ditadura militar. Conheci Canhoto, pela primeira vez, em 1974. A sua pessoa e bondade me conquistaram de imediato. Essa Oração eu escrevi o ano passado, quando notei que uma reportagem seria inútil, porque não expressaria o desprezo dos homens a um gênio."

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(Fecho os olhos, para melhor falar, abro-os e ergo-os para
um céu deserto de tudo, até da esperança. E por isto mesmo,
por mais sem razão e sem nexo, o peito que desejaria gritar,
fala e balbucia baixinho, ainda que seja inútil o afã de
encontrar uma razão para o que vejo.)

Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro mostrai que sois
verdadeiramente mãe de todos artistas caídos em desgraça na
terra.

Existe um homem que é grande no tocar, existe um sereno e
augusto artista que é largo e alto de coração, existe um
violonista de nome Francisco Soares de Araújo, que a
simplificação da gente achou por bem chamar de Canhoto da
Paraíba.

Minha Nossa Senhora, esta súplica seria inútil se tivésseis
a graça de ouvi-lo, um só minuto. Então saberíeis como ele
transporta o céu para a brutalidade e para a angústia de
todos animais que somos. Então sorriríeis com ele, e como
ele, porque irradiante e empática e comungante sempre foi a
sua ventura no tocar. Esta prece poderia ser tão-só e
somente um insulto à dignidade de Francisco Soares de
Araújo, se Canhoto da Paraíba não se encontrasse no estado e no ânimo em que se encontra. Sabei, erguida e nobre Senhora dos sonhos dos desesperados, sabei que Canhoto se acha numa cadeira de rodas, com a voz falha, e todo lado esquerdo do
corpo, e toda a mão esquerda, cruel e certeira maldição, paralisada. (É assim que a Providência castiga os bons da alma? Se um homem canta pela mão esquerda, será ela a
ferida? Se um artista se expande pela voz, será na gargantao seu câncer?) Sabei, Senhora, que Canhoto mal falando, a tropeçar nas sílabas, como uma grande criança que cresceu
para ser coroada por uma cadeira de rodas, sabei, Senhora, que Canhoto ainda assim sorri. Com quase o mesmo sorriso com que o vi um dia, à luz do dia, ao meio-dia na AvenidaGuararapes. Com este assim:

O guitarrista Pedro Soler, aquele mesmo guitarrista flamenco
a quem Miguel Angel Astúrias declarou, "os teus dedos,
Soler, são os cinco sentidos da guitarra", este Pedro um dia
esteve no Recife, em 1975. E disse, "Canhoto da Paraíba é um
dos três grandes guitarristas do mundo". E por ser lembrado
desta referência, ao ser encontrado na Guararapes, Canhoto
assim respondeu, com o mesmo sorriso de menino bom, que
agora insiste na paralisia em que se encontra, com o peito
bom de menino que recebe pedras e se alarga, para abraçar as
pedras como abraça facas e elogios:

- Num foi? Eu disse a ele, "Tu é doido, Soler?"

E como eu lhe repetisse o elogio de vexame, e para não ficar
com a cara gorda e limpa exposta à luz, como uma criança que
se descobre nua em rua de adultos, Canhoto assim respondeu à
consagração:

- Tu quer um confeitinho? Toma um de menta. É bom, rapaz.

E desta maneira a receber caramelos, a vez de se encabular
foi minha. Agora sinto, agora percebo que na pessoa de
Canhoto aura nenhuma poderia ser posta, porque o seu maior
elogio era a sua própria pessoa: Canhoto, a sorrir, a tocar.
E digo isto, Senhora, quase que em estado de raiva e
convulsão, por entre estremeços. Porque o vejo agora e me
vem num assalto: Não é assim que se trata um homem. Não é
assim que se destrói um artista. Não é assim que se faz
reduzir e insultar a memória da gente. Este a quem encontro
em Maranguape I, periferia do Recife, para lá de Olinda, é o
mesmo homem que era convidado como estrela máxima de saraus,
shows e banquetes? Este, na obscuridade de sua sala, olhando
um disco na parede, como um mamute, como um gordo pacífico
sem fala, é o mesmo genial violonista de Pisando em Brasa?
Algo procuro, busco uma razão, e para não ser tão cru e
cruel como a Providência, que assim pune os nossos grandes,
prefiro balbuciar essas desrazões:

Imaculada Virgem e Mãe minha, Maria Santíssima, a vós que
sois a Mãe de meu Salvador, Rainha do Céu, Advogada,
esperança e refúgio dos pecadores, recorro:

Canhoto da Paraíba tem a perna, as articulações
sacrificadas, porque não dispõe de recursos para fazer
uma... terapia. Não essa terapia que ora faço, da súplica do
milagre, da clemência aos céus, mas a mais elementar,
humana, elementar, uma fisioterapia. Por isto, por falta
desta, já reclama, reclama, não, que ele sequer se queixa,
por isto já se refere a dormência nas pernas, porque passa o
dia entre a cadeira e a cama. Mas disto ele não se queixa -
está em repouso, não é? Sabei, Senhora, que Canhoto é homem
de grande resignação. Minto. Menti para ficar dentro da
forma beatífica do requerimento a Seus poderes. O que toda a
gente toma por resignação (digo-o baixinho, bem baixinho,
como um chorinho solado, murmurando) o que toda gente toma
por resignação é uma imensa generosidade. Canhoto sempre foi
um deus de fertilidade, tocava e distribuía seus dons com
louca e desmedida prodigalidade, como se os seus recursos,
porque lhe chegavam, fossem inesgotáveis. Depois do derrame,
do AVC, esses recursos subitamente se esgotaram. Mas disso
ele não se deu conta. É um Buda que vive e se alimenta dos
restos e da sombra do seu nirvana. Daí que não se queixa,
daí que de nada reclama. Canhoto espera que de uma hora para
outra seus dedos esquerdos voltem a se articular como antes,
e aí, que bom que será! Todas as portas voltar-se-ão para
ele, todas as graças, todos os violões, até mesmo a Santa,
que acorrerá para ouvi-lo sem necessidade de invocação.

Nós, que não somos Canhoto, é que percebemos que o Rei
perdeu o seu cetro, seu poder, seu trono. Nós, que o vemos
transparente pela bonomia de sua fala de criança, é que
sabemos: à causa "natural" da isquemia, da idade dos seus 76
anos, soma-se a natural organização do mundo. Canhoto vive
de uma modesta aposentadoria que não lhe dá margem para um
tratamento de luxo, e o luxo, Imaculada, é uma fisioterapia.
Sabei, Santa sobre as santas, que ele recebe aposentadoria
por suas atividades de burocrata, de funcionário do SESI,
por ser Francisco Soares de Araújo. Da sua razão de ser -
da sua razão de viver, da sua razão de morrer - do gênio de
ser Canhoto da Paraíba ... nada, nada, nada. Assim não são
os bens espirituais? Nada, nada, nada. Dos políticos, dos
deputados, senadores, governador do estado, prefeitos,
nada, nada, e minto. Minto, minha Santa: destes tem recebido
uma segura e intransponível distância. Ou melhor, nesta
altura, fui injusto. Agora em junho deste ano, o nosso
violonista foi a Brasília, para inaugurar, com chave de
ouro, o Projeto Pixinguinha. Ali, Canhoto recebeu um aperto
de mão do Presidente.

Por isto, minha Santa, por isto, Imaculada, já que sois tão
poderosa diante de Deus, fulminai para sempre e eternamente
com vossos raios a insensibilidade humana. Porque existe um
homem, que um dia foi Canhoto da Paraíba, que jaz numa
cadeira de rodas, em Maranguape I, Paulista. Sem se queixar
e a sorrir, e por assim estar, a machucar o coração da
gente


Fotos

 

Em 2004, com o presidente Lula

 

Tocando com Manoel Marrocos

     
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